Efeitos da desconsideração da personalidade jurídica podem atingir fundos de investimento
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica atinjam os fundos de investimento. Segundo o colegiado, embora esses fundos não tenham personalidade jurídica, eles titularizam direitos e obrigações e, além disso, podem ser constituídos ou utilizados de forma fraudulenta pelos cotistas – pessoas físicas ou jurídicas –, fatos que justificam a aplicação do instituto.
Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, no curso de uma execução, confirmou a rejeição dos embargos de terceiro
opostos por um Fundo de Investimento em Participações (FIP) contra o bloqueio e a transferência de ativos de sua propriedade, após a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa holding.
Em recurso especial dirigido ao STJ, o fundo de investimento alegou que não foram preenchidos os requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que os FIPs são constituídos sob a forma de condomínio fechado, sem personalidade jurídica, motivo pelo qual não poderiam ser atingidos pela medida.
Comprovação de abuso de direito autoriza desconsideração da personalidade
O ministro Villas Bôas Cueva, relator, explicou que a Lei 4.728/1965, ao disciplinar o mercado de capitais, realmente caracterizou os fundos de investimento como entes constituídos sob a forma de condomínio, definição posteriormente seguida pelo Banco Central na Circular 2.616/1995.
Atualmente, prosseguiu, está em vigor a Instrução 555/2014 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo a qual o fundo de investimento pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto – que permite ao cotista solicitar o resgate de suas cotas – ou fechado – no qual as cotas só são resgatadas ao fim do prazo de duração do fundo.
Além de lembrar que os fundos estão sujeitos a regramento específico da CVM, o ministro destacou que esse tipo de condomínio, embora seja destituído de personalidade jurídica e exerça suas atividades por meio de administrador, é dotado de direitos, deveres e obrigações.
“Assim, o fato de ser o FIP constituído sob a forma de condomínio e não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial”, afirmou.
Fundo teria sido constituído para ocultar patrimônio de empresas do grupo
Citando doutrina a respeito do tema, Villas Bôas Cueva ressaltou que as prerrogativas do artigo 1.314 do Código Civil não são conferidas ao cotista de fundo de investimento, tendo em vista que ele não desfruta plenamente de direitos relacionados aos ativos que possua no fundo constituído, mas apenas dos direitos ligados à sua fração de participação.
Nesse sentido, o relator reconheceu que o patrimônio gerido pelo FIP pertence, em condomínio, a todos os investidores, o que impede a responsabilização do fundo pela dívida de um único cotista.
“Apenas em tese, repita-se, não poderia a constrição judicial recair sobre o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora apenas da sua cota-parte”, completou o ministro.
No caso dos autos, entretanto, Villas Bôas Cueva destacou que essa regra deve ceder à constatação de que a própria constituição do fundo de investimento ocorreu de forma fraudulenta, como modo de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas integrantes do mesmo grupo econômico – tomando-se cuidado, contudo, para não atingir as cotas daqueles que não possuam nenhuma ligação com a parte executada no processo.
O relator ressaltou que, no momento da constrição determinada pelo juízo da execução, como consequência da desconsideração inversa da personalidade jurídica do devedor, o fundo de investimento possuía apenas dois cotistas, ambos integrantes do mesmo conglomerado econômico – o que revela que o ato judicial não atingiu o patrimônio de terceiros.
“Além disso, o fato de o fundo de investimento ser fiscalizado pela CVM e de ter todas as informações auditadas e disponibilizadas publicamente não impede a prática de fraudes associadas, não às atividades do fundo em si, mas dos seus cotistas (pessoas físicas ou jurídicas), que dele se valem para encobrir ilegalidades e ocultar patrimônio. Disso também resulta a irrelevância do fato de se aferir incremento em seu patrimônio líquido”, concluiu.
Leia o acórdão no REsp 1.965.982.
Câmara aprova medida provisória que cria sistema eletrônico de registros públicos Fonte: Agência Câmara de Notícias
Com a medida, todos os cartórios devem realizar seus atos por meio eletrônico e devem ser conectados entre si.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (5) a Medida Provisória 1085/21, que estabelece novas regras para o registro de títulos em cartórios, disciplinando um sistema eletrônico desses registros com conexão entre todos os ofícios do País. A matéria será enviada ao Senado.
Após um acordo em plenário sugerido pelo presidente Arthur Lira (PP-AL), o texto original foi aprovado com parecer favorável do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) e os temas propostos nas emendas poderão ser trabalhados pelo Senado e também na votação do PL 4188/21, do Executivo, sobre garantias de empréstimos, que deverá ser votado a partir do dia 17 deste mês.
O sistema centralizado estava previsto desde 2009 na Lei 11.977/09 e permitirá a prática de atos e negócios jurídicos com o envio de documentos, títulos e certidões em formato eletrônico, inclusive de forma centralizada.
Chamado de Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), ele conectará as bases de dados de todos os tipos de cartórios e será implantado e gerenciado pelos oficiais de registros públicos de todo o País por meio de uma entidade civil de direito privado sem fins lucrativos, seguindo regulamentação da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão ao qual a Constituição atribuiu a competência para regular os serviços cartoriais.
O Serp deve ser implantado até 31 de janeiro de 2023 e ser capaz de fornecer informações, de maneira segura, sobre garantias de origem legal, convencional ou processual; contratos de arrendamento mercantil financeiro e cessões convencionais de crédito.
A partir dessa data, os oficiais de registro estarão dispensados de imprimir certidões (civil ou de títulos), que deverão ser fornecidas eletronicamente e com uso de tecnologia para o próprio usuário imprimi-la. Deverá ainda contar com identificação segura de autenticidade, conforme critérios do CNJ.
Para ampliar o acesso dos interessados aos serviços digitais, a MP permite o uso de uma assinatura eletrônica avançada, conforme previsto na Lei 14.063/20. Esse tipo de assinatura usa procedimentos de confirmação do usuário e da integridade de documentos em formato eletrônico diferentes da chave pública ICP-Brasil, sistema pelo qual entidades particulares credenciadas cobram para emitir certificados digitais.
O CNJ poderá regulamentar situações em que a assinatura avançada poderá ser usada nas transações com imóveis.
Para o deputado Henrique Fontana (PT-RS), a MP atende interesses dos cartórios ao reduzir prazos que implicariam novos pagamentos de taxas. “O Serp será gerido por uma estrutura privada e não pública e, ao contrário de desburocratizar, cria uma série de novos registros desnecessários porque já existem outros registros hoje que dão segurança jurídica aos negócios”, afirmou.
A favor da MP, o deputado General Peternelli (União-SP) defendeu a facilidade de acesso na busca por documentos por meio do Serp. “Hoje, quando uma pessoa quer retirar determinado documento, ela tem que ir a uma série de cartórios para executar essa atividade e pelo Serp ela fará a consulta em um único local, pelo sistema”, disse.
Identificação
Desde que pactuado previamente entre os cartórios e órgãos públicos, estes últimos poderão conceder, para tabeliães e oficiais de registros públicos, acesso às bases de dados de identificação civil, inclusive de identificação biométrica, e às bases cadastrais da União, inclusive do CPF, e da Justiça Eleitoral. O uso deverá ser para verificar a identidade dos usuários dos serviços de registros. A todo caso devem ser seguidas as regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e da lei de Identificação Civil Nacional (ICN).
Serviços
Entre os objetivos do Serp listados pela MP estão viabilizar:
- o registro público eletrônico dos atos e negócios jurídicos;
- o atendimento remoto aos usuários de todas as serventias dos registros públicos por meio da internet;
- a recepção e o envio de documentos e títulos, a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico;
- a visualização eletrônica dos atos transcritos, registrados ou averbados nos cartórios;
- o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os cartórios e os entes públicos e os usuários em geral;
- a consulta às indisponibilidades de bens decretadas pelo Poder Judiciário ou por entes públicos;
- a consulta às restrições e gravames sobre bens móveis e imóveis; e
- a consulta a títulos de dívida protestados.
O sistema deverá permitir ainda a troca de informações com o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), criado pela Lei 14.195/21 a fim de facilitar a busca centralizada e a indicação para arresto de bens de devedores em locais distintos de seu endereço.
Reconhecimento de firma
A partir de janeiro de 2024, será dispensado o reconhecimento de firma para o registro de títulos e documentos, cabendo exclusivamente ao apresentante a responsabilidade pela autenticidade das assinaturas constantes em documento particular.
Isso envolve diversos tipos de títulos, como os contratos de compra e venda em prestações; quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis; instrumentos de cessão de direitos e de créditos e outros.
Entretanto, o documento de quitação constante do título registrado, quando apresentado em meio físico, deverá conter o reconhecimento de firma do credor.
Padrões tecnológicos
A corregedoria do CNJ deverá disciplinar vários aspectos do novo sistema, como o cronograma de implantação; a integração com o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) e com a Central Nacional de Registro de Títulos e Documentos; e os padrões tecnológicos de escrituração, indexação, publicidade, segurança, e comprovação da autoria e da integridade de documentos em formato eletrônico.
A fim de assegurar a ordem de prioridade das garantias constituídas sobre bens móveis e imóveis nos registros públicos, o órgão do CNJ também definirá a forma de certificação eletrônica da data e da hora do protocolo dos títulos registrados.
Outro tópico é quanto ao extrato eletrônico a ser usado como documento suficiente para registro, definindo para quais atos isso será possível.
Extratos eletrônicos
Em relação às situações definidas pelo CNJ, os cartórios poderão aceitar, por meio do Serp, extratos eletrônicos para registro ou averbação de fatos, atos e negócios jurídicos.
O cartório qualificará o título pelos elementos, cláusulas e condições constantes do extrato, fornecendo ao requerente as informações relativas à certificação do registro em formato eletrônico.
A pedido do requerente poderá haver o arquivamento da íntegra do contrato que deu origem ao extrato eletrônico. Esse contrato poderá ser enviado como documento eletrônico, acompanhado de declaração, assinada eletronicamente, de que corresponde ao original firmado pelas partes.
Para o registro ou averbação nas matrículas de imóveis por meio de extratos eletrônicos, a MP dispensa a atualização prévia da matrícula quando aos dados do imóvel (dados objetivos) e dos titulares (dados subjetivos), exceto os indispensáveis para comprovar o enquadramento correto do imóvel e das partes aos dados constantes do título apresentado.
No entanto, o texto proíbe a criação de nova unidade imobiliária por fusão ou desmembramento sem atualização desses dados.
Casos de pacto antenupcial poderão usar o extrato eletrônico se dele constarem os dados de registro do imóvel e o regime de bens do casal, dispensada a apresentação da escritura e exigida a informação sobre a existência ou não de cláusulas especiais.
A corregedoria poderá definir os tipos de documento que serão prioritariamente substituídos pelo extrato eletrônico em atos e negócios jurídicos com bens móveis.
Fundo
A MP cria o Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (FICS), que contará com contribuições dos oficiais dos registros públicos, segundo o regulamento da corregedoria do CNJ. Entretanto, se os oficiais dos registros públicos desenvolverem e utilizarem sistemas e plataformas interoperáveis ficam dispensados de contribuir com o fundo.
Fonte: Agência Câmara de Notícias.
Credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel pode optar por execução judicial ou extrajudicial
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel não está obrigado a promover a execução extrajudicial do seu crédito, podendo optar pela execução judicial integral, desde que o título que dá lastro à execução seja dotado de liquidez, certeza e exigibilidade.
O entendimento foi firmado pelo colegiado, por unanimidade, ao confirmar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que negou o pedido de uma empresa para extinguir ação de execução, sem julgamento de mérito, sob o argumento de excessiva onerosidade da via eleita pelo credor.
O TJSP entendeu que, embora haja previsão de procedimento específico de execução extrajudicial no caso de dívida garantida por alienação fiduciária, nos termos da Lei 9.514/1997, o exequente tem a opção de escolher o meio que lhe parecer mais adequado na busca pela satisfação do crédito.
No recurso especial apresentado ao STJ, a empresa devedora alegou que o credor optou pelo meio de execução mais gravoso, contrariando a legislação, pois, havendo mecanismo célere e eficaz para a satisfação extrajudicial do crédito, nada justificaria o procedimento judicial.
Dívida lastreada em título executivo extrajudicial
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que o caso diz respeito a execução lastreada em Cédula de Crédito Bancário (CCB). De acordo com o magistrado, a CCB – desde que satisfeitas as exigências do artigo 28, parágrafo 2º, I e II, da Lei 10.931/2004, de modo a lhe conferir liquidez e exequibilidade, e desde que preenchidos os requisitos do artigo 29 da mesma lei – é título executivo extrajudicial.
No entanto, acrescentou, o credor tem o direito de optar por executar o seu crédito de maneira diversa do estabelecido na Lei 9.514/1997, e isso não é alterado pela constituição de garantia fiduciária relacionada ao financiamento instrumentalizado por meio de CCB.
“Só o fato de estar a dívida lastreada em título executivo extrajudicial e não haver controvérsia quanto à sua liquidez, certeza e exigibilidade, ao menos no bojo da exceção de pré-executividade, é o quanto basta para a propositura da execução, seja ela fundada no artigo 580 do Código de Processo Civil de 1973, seja no artigo 786 do Código de Processo Civil de 2015”, afirmou.
Credor pode exigir saldo remanescente
Ao negar provimento ao recurso especial, o relator observou que, na hipótese de alienação extrajudicial do bem dado em garantia, o credor fiduciário não está impedido de exigir o saldo remanescente se o produto obtido com a venda não for suficiente para a quitação integral do seu crédito.
“O remanescente da dívida apenas não estará mais garantido ante o desaparecimento da propriedade fiduciária, o mesmo ocorrendo na hipótese de não haver interessados em arrematar o bem no segundo leilão”, declarou.
Villas Bôas Cueva destacou que tem prevalecido no âmbito do STJ a interpretação de que a extinção da dívida acontece apenas em relação à parcela garantida pela propriedade fiduciária, tendo o credor a possibilidade de cobrar do devedor o valor remanescente.
“A despeito das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da possibilidade de cobrança do saldo remanescente da dívida após a execução extrajudicial, ao credor fiduciário é dada a faculdade de executar a integralidade de seu crédito judicialmente, desde que o título que dá lastro à execução seja dotado de todos os atributos necessários – liquidez, certeza e exigibilidade”, concluiu o ministro.
Leia o acórdão no REsp 1.965.973.
Bem de família de fiador pode ser penhorado para quitar dívida de aluguel comercial, decide STF
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contratos de locação residenciais e comerciais. A decisão foi tomada na sessão virtual concluída nesta quarta-feira (8/3), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1307334, com repercussão geral (Tema 1.127).
O recurso foi interposto por um fiador contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que confirmou a penhora de seu único imóvel, dado como garantia de um contrato de locação comercial. No STF, ele defendia que o direito constitucional à moradia deve se sobrepor à execução da dívida de aluguel comercial. Também sustentava que a tese fixada pelo STF no julgamento do RE 612360, com repercussão geral (Tema 295), no sentido da constitucionalidade da penhora de bem de família do fiador de contrato de locação, deve ser aplicada apenas aos contratos de locação residencial.
Livre iniciativa
Prevaleceu, no julgamento, o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, pelo desprovimento do recurso. Para o ministro, o direito à moradia, inserido na Constituição Federal entre os direitos sociais, não é absoluto. Ele deve ser sopesado com a livre iniciativa do locatário em estabelecer seu empreendimento, direito fundamental também previsto na Constituição Federal (artigos 1º, inciso IV e 170, caput), e com a autonomia de vontade do fiador, que, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato.
Para o relator, a impenhorabilidade do bem de família do fiador de locação comercial causaria grave impacto na liberdade de empreender do locatário, já que, entre as modalidades de garantia que podem ser exigidas, como caução e seguro-fiança, a fiança é a mais usual, menos onerosa e mais aceita pelos locadores. Além disso, deve ser garantido ao indivíduo o direito de escolher se manterá a impenhorabilidade de seu bem de família, conforme a regra geral da Lei 8.009/1990, que dispõe sobre a matéria, ou se será fiador, consentindo expressamente com a constrição de seu bem no caso de inadimplemento do locatário. “A livre iniciativa não deve encontrar limite no direito à moradia quando o próprio detentor desse direito, por sua própria vontade, assume obrigação capaz de limitar seu direito à moradia”, afirmou.
Ele destacou, ainda, que, nos aluguéis comerciais, muitas vezes o fiador é o próprio sócio da pessoa jurídica afiançada, especialmente em se tratando de micro e pequena empresa. Assim, o empreendedor pode liberar seu capital financeiro para investi-lo no próprio negócio, enquanto o fiador, também sócio, escolhe seu direito de empreender, ciente de que seu próprio bem de família poderá responderá pela dívida. “Trata-se de decisão sua, em livre exercício de sua autonomia privada”, apontou.
Lei do Inquilinato
Outro ponto observado pelo relator é que a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991) não faz distinção entre fiadores de locações residenciais e comerciais em relação à possibilidade da penhora do bem de família. Em seu entendimento, criar distinção onde a lei não distinguiu violaria o princípio da isonomia, pois o fiador de locação comercial manteria incólume seu bem de família, enquanto o de locação residencial poderia ter seu imóvel penhorado.
O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Roberto Barroso, Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux (presidente).
Prevalência
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, que votaram pelo provimento do recurso. Para essa corrente, o bem de família do fiador de contrato de locação não residencial é impenhorável. Na avaliação do ministro Fachin, primeiro a divergir, o direito constitucional à moradia deve prevalecer sobre os princípios da livre iniciativa e da autonomia contratual, que podem ser resguardados de outras formas.
Tese
A tese de repercussão geral proposta pelo relator é a seguinte: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial”.
Processo relacionado: RE 1307334
2ª Turma afasta penhora de bem de família de alto padrão. “O bem não é fracionável”
Um engenheiro civil não conseguiu na Justiça a determinação de penhora do sobrado de um dos sócios de uma empresa de engenharia em Goiânia para a qual ele trabalhou. O processo, hoje em fase de execução, tramita na Justiça do Trabalho desde 2014 e o trabalhador ainda não tinha conseguido receber as verbas trabalhistas devidas. A 2ª Turma do TRT de Goiás aplicou ao caso jurisprudência do TST e do STJ no sentido de não ser razoável retirar a proteção constitucional dada à moradia, que prevê a impenhorabilidade do bem de família, pelo fato de o imóvel ser suntuoso ou ter alto valor.
Conforme os autos, o engenheiro civil trabalhou na empresa entre outubro de 2013 e maio de 2014, quando foi dispensado sem justa causa e não recebeu as verbas rescisórias. Após ajuizar ação trabalhista contra a empresa, as partes fizeram acordo para o pagamento da dívida, o que não foi cumprido pela empresa.
Assim, após inúmeras tentativas frustradas de recebimento da dívida por meio de penhoras judiciais diversas, o autor pediu a penhora de um sobrado da família do executado. No entanto, ao julgar embargos do executado, o TRT afastou a penhora do imóvel, por ser bem de família.
Inconformado, o engenheiro interpôs agravo de petição para reformar a decisão que desconstituiu a penhora do imóvel. Ele alegou que o imóvel está localizado em condomínio nobre da capital e seu valor é o suficiente para pagar a dívida e ainda garantir ao executado e sua família o direito de moradia digna. Argumentou que a impenhorabilidade do bem de família deve ser relativizada quando se trata de imóvel suntuoso, como no caso. Por fim, justificou que a proteção da Lei 8.099/1990 é dada às pessoas e não ao patrimônio.
Impenhorabilidade do bem de família
O agravo de petição foi analisado pelo desembargador Paulo Pimenta. Ele observou que a lei não excepciona a impenhorabilidade em razão do valor do imóvel. “Apesar da previsão legal de penhora de fração de imóveis, o imóvel penhorado não está suscetível de fracionamento”, ponderou o desembargador.
Paulo Pimenta também baseou seu voto em jurisprudência do TST citada pelo desembargador Mário Bottazzo durante a sessão virtual da Turma. Segundo a decisão do TST, de junho de 2020, embora parte da doutrina entenda que a garantia ao imóvel residencial de luxo transcende o conceito constitucional de moradia, não há como fazer prevalecer a satisfação do credor em detrimento da impenhorabilidade do bem de família, conforme a Lei 8.009/1990.
De acordo com esse julgado, a técnica da ponderação dos bens se operacionaliza por meio do princípio da proporcionalidade. Assim considerou não ser razoável retirar a proteção constitucional dada à moradia pelo fato de o bem ser suntuoso ou ter alto valor. A decisão, por fim, menciona que o TST e o STJ asseguram a condição de bem de família ainda que o imóvel residencial tenha alto valor.
“Portanto, considerando que o executado comprovou a moradia no imóvel, a par de não haver sequer alegação do exequente de que o imóvel em tela não seja o único de propriedade do executado, reputo enquadrado o bem na hipótese de impenhorabilidade prevista na Lei nº 8009/90”, concluiu o desembargador Paulo Pimenta. O apelo do reclamante foi negado em decisão unânime.
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PROCESSO: 0011576-31.2014.5.18.0015
Tribunal reconhece má-fé em pedido de restituição de valores pagos por imóvel
Cobrança de aluguel de imóvel ocupado por ex-cônjuge requer prévia notificação
A 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, por unanimidade, negou recurso da autora e manteve sentença da juíza da 9ª Vara Cível de Brasília, que negou pedido para que seu ex-marido fosse condenado a lhe pagar aluguéis, decorrentes do período em que utilizou imóvel que era do casal.
A autora ajuizou ação, na qual narrou que o réu deveria lhe indenizar por ter violado o acordo judicial de divórcio, no qual foi pactuado que a casa em questão seria partilhada na proporção de 50% para cada parte, que se obrigaram a desocupá-lo para facilitar a venda. Todavia, o réu teria retornado a residir no imóvel, sem autorização da autora e lá permaneceu por quase um ano.
O réu apresentou defesa sob o argumento de que teve permissão para ocupar o imóvel, pois era necessário que efetivasse a manutenção e reparos na parte interna e externa, antes da venda. Afirmou que arcou com todas as despesas decorrentes da restauração da casa e que não deve nenhum valor a título de aluguel para a autora.
A magistrada que proferiu a sentença esclareceu que a autora não comprovou ter notificado o réu de sua intenção de receber aluguéis pelo uso da casa e que a prova de sua oposição ao uso exclusivo do bem é essencial para exigir o pagamento.
A ré recorreu, contudo o colegiado entendeu que a sentença deveria ser integralmente mantida. “Portanto, não havendo demonstração pela demandante de que o réu teria sido notificado sobre sua oposição quanto à fruição do imóvel e tendo em vista que a citação, como marco inicial de eventual obrigação indenizatória, se deu após a alienação do bem, correta se mostra a r. sentença em concluir que a autora não faz jus a cobrança dos alugueres tal como requerido na inicial”.
A decisão já transitou em julgado, portando, não cabe mais recurso.
Acesse o PJe2 e confira o processo: 0736749-39.2019.8.07.0001
Mantida penhora de box de garagem constituído como unidade autônoma da residência
Por unanimidade, os integrantes da Oitava Turma do TRT de Minas Gerais, acompanhando voto do desembargador relator, José Marlon de Freitas, negaram provimento ao recurso de devedor na Justiça do Trabalho e mantiveram a penhora determinada em primeiro grau sobre 50% do box de garagem do apartamento em que ele reside com sua família.
Ao se insurgir contra a decisão, o homem alegou que o box de garagem seria parte integrante do seu imóvel residencial e invocou a proteção relativa à impenhorabilidade do bem de família prevista na Lei º 8.009/90. No entanto, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Uberaba rejeitou o argumento, por entender que o box de garagem não constitui uma extensão do imóvel caracterizado como bem de família, sendo dele divisível e penhorável.
A decisão se baseou nos artigos 1º e 5º da Lei nº 8.009/90 e foi mantida pelo relator. Ele explicou, em seu voto, que, para o enquadramento do imóvel como bem de família, as normas citadas preveem que o imóvel seja próprio do casal ou da entidade familiar e que seja utilizado como residência. Ainda conforme estabelecido, apenas um bem poderá ser considerado residência, desde que utilizado pela família como moradia permanente.
De acordo com o relator, o objeto da proteção legal não é a propriedade do bem em si, mas a família. Isso porque a permissão de afastamento da penhora judicial sobre o bem imóvel utilizado como moradia visa a resguardar a sobrevivência e também a dignidade da família.
Entretanto, no caso, a penhora recaiu sobre 50% de um box de garagem, o qual constitui uma unidade autônoma do apartamento onde reside a família do executado. Documentos mostraram que o imóvel não é parte integrante da matrícula do imóvel caracterizado como bem de família.
“Evidentemente, o imóvel objeto de constrição não é utilizado como moradia pelo agravante e sua família, não estando, portanto, protegido contra constrição judicial”, concluiu o relator no voto, negando provimento ao recurso, para considerar válida a penhora levada a efeito.
Processo
PJe: 0000305-29.2012.5.03.0042 (AP)
Restrição de visitantes em áreas comuns de condomínio não depende de assembleia, decide Tribunal
Moradora que injuriou síndica com ofensas raciais é condenada pela Justiça de SC
A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em apelação sob a relatoria do desembargador Luiz Antônio Fornerolli, confirmou sentença da comarca de Joinville que condenou uma mulher ao cumprimento de pena de dois anos e dois meses de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime de injúria de cunho racial.
Consta nos autos que as agressões ocorreram entre os anos de 2016 e 2017, período em que a vítima, pessoa da raça negra, era a síndica de um conjunto residencial onde a ré também morava. Os impropérios, segundo testemunhas, foram proferidos durante reuniões condominiais, nos corredores e áreas comuns dos edifícios e até materializados em um bilhete fixado no mural de recados do residencial.
O subsíndico, um gestor profissional de condomínios e alguns outros moradores prestaram depoimentos – tanto na fase policial quanto judicial – em que não só confirmaram os xingamentos como também registraram o perfil beligerante da moradora, pessoa apontada como de “difícil trato” e avessa aos contatos sociais. As agressões verbais e escritas sempre traziam a conotação racial.
Em juízo, a mulher negou todas as acusações, inclusive a autoria do bilhete. Classificou o caso como intriga, fruto da perseguição dos vizinhos. Disse desconfiar da administração da síndica e cobrar prestação de contas – situação que a fez parar de pagar o condomínio. Alegou ainda ter muitos amigos da raça negra, garantiu que ama tal raça e que havia tomado café na casa de sua amiga, que é negra, para demonstrar não ter preconceito.
Diante de todo o conjunto probatório, entretanto, o desembargador Fornerolli não teve dúvidas em manter a sentença, prolatada na 2ª Vara Criminal da comarca de Joinville. “Não remanesce dúvida de que a condenação deve ser mantida. A utilização de palavras desse quilate ou a manifestação de pensamentos desse jaez são atos dignos de absoluta reprimenda em nossa sociedade”, registrou o relator.
No seu entendimento, a raça ou a cor da pele não tornam ninguém pior ou melhor que o outro. “Todos somos iguais e merecedores de igual respeito. Etnia, religião, origem, idade ou deficiência, da mesma forma. Nada disso é parâmetro a medir seres humanos, ainda mais para lhes ofender, reservada ou publicamente, tal como aqui ocorrido, com baixezas não mais admitidas entre nós”, concluiu. A decisão foi unânime. A pena aplicada, já na origem, foi substituída por medidas restritivas (AC n. 0017217-35.2019.8.24.0038).